Reportagem do Globo Esporte escancara: Gestão dos recursos financeiros do São Paulo é péssima; veja

Bastaram duas eliminações precoces na Libertadores e na Copa do Brasil para que o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, voltasse a viver seus piores dias à frente do São Paulo. Mês passado, centenas de torcedores à porta do centro de treinamento tricolor protestaram e pediram a sua renúncia. Nos bastidores, grupos políticos vinculados à situação registraram por escrito a insatisfação com o departamento de futebol, dirigido por Raí, e pediram a sua “profunda” reformulação.

Diferente de clubes que passam por crises esportivas e políticas por causa da falta de dinheiro, a situação mais comum atualmente, a crise são-paulina decorre do mau uso dos recursos disponíveis. Arrecadar acima dos R$ 400 milhões apesar das adversidades externas e internas é para poucos no futebol brasileiro. Dinheiro há. Mas é preciso saber usá-lo para não ser passado para trás por rivais menos abastados – casos do Talleres na Libertadores e do Bahia na Copa do Brasil.

A comparação entre faturamento e endividamento mostra como as finanças tricolores são administráveis – apesar dos problemas que detalharemos a seguir. Ter mais entrada de dinheiro do que compromissos a pagar chega a ser um privilégio no futebol brasileiro, em que geralmente dívidas superam em duas vezes ou mais as receitas.

Também é fácil perceber que a situação melhorou consideravelmente em relação ao histórico recente do próprio São Paulo. Nos anos em que esteve sob a administração de Carlos Miguel Aidar, encerrada com a renúncia do então presidente em meio a denúncias de corrupção, o clube perdeu o controle sobre as finanças e chegou a dever mais do que arrecadava. Leco não faz a melhor gestão possível, mas recuperou um quadro temerário. É justo ponderar que o estado atual está melhor.

Feitas as introduções e ressalvas, chega a hora de distinguir departamentos para entender onde estão os problemas. E, já que estamos falando de faturamento, podemos começar pelas áreas comercial e de marketing tricolores. Em teoria, são elas as responsáveis por gerar a maior quantidade de dinheiro possível para que o futebol o use, e os resultados apresentados no ano passado deixam a desejar.

Com grande dificuldade para obter patrocínios para o seu uniforme, o São Paulo teve uma redução de quase R$ 40 milhões nas receitas proporcionadas por marketing e comercial, que também incluem receitas das vendas de produtos licenciados. O mau momento da economia brasileira ajuda a explicar a diminuição, registrada por vários outros clubes, mas há também sinal de fragilidade tricolor neste número. Palmeiras e Flamengo faturam cada um o dobro neste tipo de receita.

No relacionamento com o torcedor, não houve grande variação em relação à temporada anterior. Entre bilheterias, sócios torcedores e receitas ligadas ao estádio do Morumbi, o São Paulo faz pouco menos do que R$ 70 milhões. O número parece baixo para uma das maiores torcidas, concentrada na maior cidade do país nos aspectos demográfico e econômico. O Palmeiras fatura quase três vezes este valor.

O Morumbi e a sua enorme capacidade dificultam o aumento dos associados, uma vez que o principal benefício de qualquer programa é o desconto e a preferência de compra de ingressos. Como o estádio sempre tem espaço de sobras nas arquibancadas, o são-paulino não está obrigado a se associar para ver uma partida decisiva. Nada que se possa resolver no curto prazo, a não ser com ações para incentivar o engajamento de seus torcedores por meio de apelos emocionais.

Com receitas ligadas ao marketing rolando ladeira abaixo, enquanto as diretamente ligadas à torcida não pegam no tranco, o São Paulo teria pelo menos dois caminhos a seguir. No primeiro, reduziria seus custos com o futebol para enquadrar custos dentro das receitas disponíveis. Este é um trajeto que, historicamente, o clube nunca tomou. Até porque a segunda opção é muito mais sedutora. Quando precisa de dinheiro para pagar seus boletos, o clube vende jogadores. E vende muito bem.

Não há no futebol brasileiro um clube que consiga tanto dinheiro com transferências de atletas. Só no ano passado o São Paulo levantou pouco mais que R$ 130 milhões líquidos, isto é, após descontadas comissões para intermediários e repasses de direitos econômicos para terceiros. Um legado da filosofia que permeou décadas, passando por diferentes administrações, pelo menos desde os anos 1980, voltada para o investimento em infraestrutura e investimento nas categorias de base.

O problema de depender da venda de jogadores é que, na pior das hipóteses, o clube não bate a meta de arrecadação e sofre com prejuízos. Aconteceu em 2014, com Aidar, quando menos de R$ 30 milhões entraram no caixa com atletas. É arriscado contar com vendas para fechar a conta. Na melhor das hipóteses, também há consequências. Como quando o time perde promessas que poderiam ganhar jogos. Também aconteceu. Em 2017 e 2018 com Leco.

Neste aspecto, virtudes e defeitos estão na conta do departamento de futebol. Tanto são os profissionais desta área que negociam jogadores e garantem receitas relevantes, quanto são eles que decidem como gastar os recursos com reposições. O São Paulo tem como características gastar muito com a sua folha salarial, a quinta maior do país, e gastar muito com a compra de direitos federativos e econômicos. A diretoria de Leco gastou mais de R$ 64 milhões no ano passado com novos atletas – entre eles o veterano Diego Souza por R$ 10 milhões.

À medida que o marketing gera menos dinheiro do que poderia, e o futebol gasta mais do que deveria, sobra para o departamento financeiro a responsabilidade de se virar para achar dinheiro – ou, melhor, encontrar crédito para acertar o fluxo de caixa e pagar as contas.

No ano passado, o São Paulo recorreu novamente a empréstimos bancários para fazer frente a despesas operacionais e dívidas de curto prazo. A boa notícia, neste sentido, é que o financeiro tricolor foi eficiente ao trocar empréstimos com juros altos por outros com juros mais baixos. Despesas financeiras foram reduzidas em quase R$ 7 milhões na comparação com o ano anterior. Esse dinheiro deixa de ser desperdiçado com bancos e volta para o futebol.

A má notícia é que, apesar de o endividamento são-paulino ter sido reduzido em seu valor bruto, o perfil dele em relação ao vencimento piorou. Dívidas de curto prazo – que vencem em prazo inferior a um ano – aumentaram e ficaram maiores até do que as de longo prazo. Sabendo que a temporada de 2019 seria difícil por causa da mudança no fluxo de pagamento da televisão, apertado no primeiro semestre, o clube criou problemas para si mesmo ao sobrecarregar seu passivo de curto prazo.

Não é surpresa que o São Paulo passe em 2019 por problemas raros em sua história. Direitos de imagem de parte do elenco atrasaram, e a diretoria foi buscar novos empréstimos bancários para quitar pendências urgentes. Ainda coube ao departamento financeiro tentar um mecanismo mais complexo e moderno para conseguir crédito, um FIDC, mas as opções são limitadas. Tudo poderia ser mais tranquilo se o clube gastasse menos e melhor o seu dinheiro no futebol.

A história fica realmente ruim quando se compreende, ao avaliar o cenário completo, que o clube tricolor caiu num ciclo vicioso. A ineficiência do departamento de futebol gera resultados piores em campo e afeta a geração de receitas, pois cotas de participação em competições importantes como Libertadores e Copa do Brasil deixam de entrar no caixa. E a redução das receitas acaba por colocar o próprio departamento de futebol em posição desconfortável, porque tem de vender jogadores com volume e frequência para evitar prejuízos.

Não, o São Paulo não está em crise financeira como tantos outros clubes brasileiros. Não, o São Paulo não está nem mesmo tão mal quanto esteve há poucos anos. Mas Leco precisa ficar atento às causas e consequências de suas decisões. Torcedores protestam e pedem a sua saída, aliados exigem mudanças, e o seu mandato encaminha para o fim, ao término de 2020, sem que o legado de sua administração seja tão positivo e duradouro quanto imaginou quando substituiu Aidar.

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